A QUE FAMÍLIA PERTENÇO?

Pedro (nome fictício) saiu correndo ao meu encontro sem fôlego: “Fabíola, preciso falar com você!”. Vendo aquele rosto suado e com olhar bem arregalado, abaixo-me a sua altura e pergunto-lhe: “O que houve com você?”


Conduzo-o até a minha sala, ofereço-lhe um copo com água e começamos uma conversa. Pedro estava se sentindo sem família. Repetia sem parar que seus pais diziam que ele agora tinha duas famílias, mas que ele se sentia órfão. Pude entender o seu sentimento quando fui conversando e buscando informações de como era a formação “dessas duas famílias”.
Os pais de Pedro se separaram quando ele ainda tinha 3 anos, hoje Pedro tem 12 anos. Desde então, Pedro ficou com a mãe. Nos finais de semana do pai, Pedro era buscado e passava os dois dias em programas com o pai e amigos do pai. Nos demais dias, era cuidado pela mãe.
Acontece que Pedro é um menino muito ativo e por isso, muitas vezes sua mãe, sentindo-se cansada, entregava-o para avó materna cuidar por algumas semanas. Pedro conta que a mãe sempre pedia para avó assumi-lo, mas que a avó logo dizia: “Não dou conta desse menino! A minha parte já foi feita, criando você!”
Entre idas e vindas para avó materna, a mãe acaba por entregar Pedro para o pai. Acontece que o pai casou-se e teve dois outros filhos. Pedro trouxe um desconforto para a nova família do pai com sua presença. A madrasta dá um ultimato para o marido, pai de Pedro, que o devolve para mãe. A mãe agora também tem um parceiro que vê Pedro como um “atrapalho” para a nova relação.
Cansou só de ler essa confusão? Imagina o cansaço de Pedro como agente dessa história. Tenho visto inúmeras crianças vivenciando o drama do “pertencimento”. As tentativas de acertos dos adultos em novas relações estão, muitas vezes, fazendo de seus filhos um joguete e até produzindo sentimento de que eles são um incômodo para os seus genitores junto às novas formações familiares.
As crianças e adolescentes passam a conviver com os novos parceiros dos pais e as novas famílias que acompanham esses parceiros. De repente, quem tinha quatro avós, passa a ter oito: pai da mãe e mãe da mãe; pai do pai e mãe do pai; pai da madrasta e mãe da madrasta; pai do padrasto e mãe do padrasto. Depois os tios “legítimos” e os tios agregados com suas famílias. Sem falar na mistura cultural. Ufa! É muita gente! E mesmo com toda essa gente, ele se sente sem família. A que família ele pertence?
Pedro, mesmo tão pequeno, conseguiu mostrar que se sente muitas vezes um estranho “nesses ninhos”. As conversas dos adultos e crianças muitas vezes parecem distantes, os costumes, nem se fala. E ele vai se encolhendo no sofá enquanto fala comigo, como se estivesse querendo retornar ao útero. Meu coração se aperta. Estico minha mão e ele a agarra. Segurando forte, ele pergunta se consigo entender que ele queria, na verdade, morar com o pai.
Conversamos sobre a possibilidade e os caminhos para alcançar esse objetivo. Pedro sai animado e cheio de metas. Enquanto o vejo partir, fico pensando como devemos pensar em nossos atos quando envolvemos nossos pequenos. Como muitas vezes somos egoístas, levando a realização de uma “tal felicidade a qualquer preço” e excluímos quem um dia foi o maior motivo de alegria: o filho que nasceu. Claro que precisamos estar bem, mas, nessa busca de nova oportunidade, devemos ter cuidado com a inclusão dos filhos no processo. Ensinar os novos parceiros a respeitar o “que vem no pacote” (história, ex-mulher, filhos, família) é essencial.
Não é possível ser feliz de novo, anulando o que faz parte de nós. Não é possível ser feliz se entrar em um relacionamento, fragmentando, rejeitando uma parte. Não é possível ser feliz vendo um filho infeliz. Que possamos ajudar todos os “Pedros” dessa nova vida moderna. Se cada um de nós começar a entender que uma nova relação não pode “matar” a outra, teremos mais chances de inclusão em novas famílias. O pertencimento será tão natural que as crianças e adolescentes irão unir as pessoas e não se sentirem um estorvo para o novo momento dos pais. Lembrando que os adultos é que precisam conduzir. Os adultos precisam ser maduros.
E o que aconteceu com as metas do Pedro? Bem, passaram-se algumas semanas, Pedro retorna para contar que o pai prometeu deixá-lo morar com ele depois que um “tal apartamento” ficar pronto. Pergunto se ele sabe quanto tempo levará para entrega da nova moradia. Pedro diz sem jeito: “uns três anos, mas eu vou esperar.” Sorriu e me beijou.
Espero que a promessa se cumpra. Não quero nem imaginar que o pai está tendo uma condução para ganhar tempo. Ele está cheio de esperança. Pedro continua com a mãe e o padrasto e comenta: “Minha avó anda muito ocupada, Fabíola. Ela está estudando, melhor assim, ela não disse que não dá conta de mim?”. Em seguida, pisca, sorri e vai.

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