Guarda Compartilhada

Fabíola Sperandio T. do Couto 

Na quebra das relações maritais muitos ex-casais buscam maneiras para lidar com os frutos do casamento: os filhos. Alguns procuram entender e optar pela guarda compartilhada. A guarda compartilhada surgiu, em formato de lei ( lei nº 11.698/08), no ano de 2008 com o objetivo de assegurar aos filhos a permanência do convívio dos pais mesmo após uma separação. Vale ressaltar que a guarda compartilhada não poderá ser confundida com a guarda alternada. Guarda alternada é a divisão igualitária de tempo dos pais com os filhos. Guarda compartilhada é a divisão de direitos e deveres de ambos, proporcionando a convivência harmônica e saudável com familiares maternos e paternos.
A lei traz a garantia de proteção à criança, mas não traz a garantia da mudança de mentalidade dos adultos. Por que digo isso? Porque grande parte dos adultos acaba por boicotar o verdadeiro objetivo da lei, dificultam o acesso de um dos lados para convivência da criança.
Quando um casal se casa e define ter filhos, não se atenta para que, na hipótese de uma separação, não existirá ex-filho . O filho é dos dois para sempre. As responsabilidades afetivas e materiais também.
Por mais que alguns justifiquem que a convivência nas duas casas para criança não é saudável pelas diferenças, isso as impede de aprender exatamente com as mesmas. Sim! É saudável conviver com regras das duas casas, com os costumes e com os combinados. Perceber o jeitão de cada um também é importante na formação das crianças. Agora eu pergunto: convivendo com os pais juntos a criança não teria que aprender o jeito de cada um? Ou você acha que é só em casa separada que as divergências nas regras e afins ocorrem? É notório que as diferenças aparecem mesmo em lares de famílias de “pais juntos”. Basta conversar um pouquinho com as crianças e adolescentes que percebemos que elas já sabem a quem pedir determinadas coisas, já sabem como podem agir quando só um dos pais está em casa, etc.
Cada indivíduo tem um jeito de ser, um jeito de comandar, um jeito de amar, um jeito de se doar, um jeito de corrigir, um estilo de vida, um limite para as situações (tolerância). Essa relação com todo esse “jeito” que nossos pequenos se deparam, no dia a dia, é que os prepara para vida. Futuramente conseguirão lidar com chefes, colegas, esposo/esposa, com esse aprendizado. O que precisa ficar muito claro é que a qualidade da relação com os pais que traz o benefício e não a determinação de tempo que cada um tem com seu filho. Guarda compartilhada, repito, é a divisão de dedicação em todas as necessidades e não divisão de tempo com o filho. Receita para essa relação? Sem chance! A convivência, a rotina, a vivência e as inúmeras conversas entre os pais é que determinarão a melhor maneira. O mesmo ocorre com os casais cujos cônjuges moram juntos, o dia a dia vai norteando o fazer com os filhos. Nesse fazer diário, o ex-casal precisa exercitar a conversa sobre as regras e atitudes para que a chegada da adolescência desses então pequenos, já esteja com uma estrutura de ações para as decisões que envolvam saídas com grupos de amigos, festas, cinemas, viagens. A concordância de permissão ou não é fundamental para gerar um porto seguro para o filho e evitar os “jogos de interesse” tão presentes na linguagem do adolescente.
Infelizmente nos deparamos com ex-casais muito presos a regrinhas de convivência que não trazem prejuízo para as crianças, mas que promovem muito desgastes entre os adultos. Mãe ou pai indagando sobre regras de banho, horário de TV, tipos de refeição, achando que o que ocorre na casa de um tem que se repetir na casa do outro. Ora, por quê? É importante a criança lidar com essas regras distintas. E ao contrário do que muitos pensam, elas se adaptam facilmente com o estilo de cada um e, ainda, conseguem avaliar o que é melhor para elas. E, nem sempre gostam mais do lar que possui o excesso de liberdade. Surpreso? Não fique! As crianças e adolescentes sentem-se bem com o equilíbrio das atitudes. O pode tudo muitas vezes soa desamor. Elas sabem que falar não dá mais trabalho. Precisamos ficar atentos para que, quando ocorre uma separação, por mais que a briga seja pelos bens, o maior bem deveria ser os filhos; muitas vezes a vaidade e a ganância levam a briga pelos bens materiais ou pelo “BEM filho”, que significará ganho financeiro e, nesse movimento, o amor pelos filhos fica de lado. Principalmente quando reportamos a histórica ideia do homem provedor e da mulher cuidadora. Mesmo com a mulher ativa no mercado, e muitas vezes ganhando muito mais que o ex-marido, ela ainda luta pelo valor financeiro às vezes até como punição. Ou não se interessam pelo financeiro, mas assumem o filho como posse, como se fosse a única genitora (filho sem pai ou sem necessidade de pai).
Diante de todo esse cenário, quem mais sofre é o filho. Atendo inúmeros adolescentes chateados com as brigas dos pais. Parece-me que os pais esquecem que serão pais eternos. Enchem-se de mágoas, rancores e lembranças da relação marital e descontam, mesmo que inconscientemente, no filho.
Hoje nos deparamos com uma realidade na qual os homens estão gostando de exercer o papel de pai. Muitas crianças já estão sendo cuidadas pelo pai. Basta visitar as instituições escolares, cursos extras , que poderão ver que a realidade mudou. Muitos pais estão até solicitando a guarda definitiva de seus filhos. Assim como nos deparamos com mulheres que estão abrindo mão de seus filhos para alçar voos na profissão ou voltar a ter a vida de solteira. Outras porque a relação atual não convive bem com seus filhos e fazem escolha pela nova relação.
Outra situação muito presente é um dos pais brigar pela guardar e “terceirizá-la”. Triste, mas real. Encontramos crianças que “na vez” de um dos pais, acaba ficando com avós, tios, cuidadores enquanto o responsável da vez trabalha, passeia ou viaja. A negociação não se faz presente nos ex-casais que disputam em vez de se unirem para criar seus filhos. Quando o casal decide casar, junto com a decisão, vieram sonhos e expectativas. Quando se frustram e decidem separar, precisam amadurecer e utilizar a guarda compartilhada não como disputa ou punição, mas como benefício de um crescimento saudável para os seus herdeiros. As crianças precisam herdar amor, diálogo, aprendizado e não acabar por se sentirem um peso e um atrapalho na vida dos adultos que um dia decidiram que seria “lindo” completar o casamento com filhos.


Fabíola Sperandio T. do Couto é Pedagoga, Psicopedagoga e Terapeuta de Família e Casais. Atua em educação desde 1984 e em consultório desde 1999. É Diretora Pedagógica de uma instituição privada do Maternal ao 9ºano, palestrante e consultora na área educacional e familiar. Escreve semanalmente para o blog Educar Faz Parte (Organização Jaime Câmara/Globo/Ludovica).



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