Desde que surgiu mais este recurso digital, as escolas precisaram aprender a lidar com os benefícios e malefícios gerados por ele. Uma rede que proporciona contatos e trocas de ideias e informações. Surgiram grupos de família, trabalho, colegas das antigas, vizinhos e até mães e pais da escola dos filhos. Inicialmente com a alegria de reviver velhas histórias, aproximar parentes e criar vínculos com as mães dos amigos dos filhos. Até aí parece tudo natural e normal.
Na mesma rapidez que chegou, trouxe a dependência de muitos. E como tudo que é novo em nossas vidas, percebemos o desequilíbrio de várias pessoas em utilizar esta ferramenta de forma saudável. A ausência de regras e muitas vezes a falta de bom senso começou a gerar um certo desconforto nos membros que participam dos grupos diversos. Relatos de desavenças familiares e afastamentos de amigos são bem comuns após esta novidade de aproximação.
E como isso afetou a instituição escolar?
As famílias ao iniciar o ano letivo já criam o grupo da turma do filho e começam a troca de informações. Muito legal se os compartilhamentos das situações fossem responsáveis e justos. Explico. Partilhar nos grupos eventos, convites para festividades, divulgações culturais, complementos de conteúdos pedagógicos, sugestões literárias, possíveis caronas e ajuda entre famílias, ações esportivas e comunitárias, entre outros, é ágil e facilitador. Entendemos, também, que o WhatsApp promove a facilidade de estreitar a comunicação sobre combinados e rotinas escolares.
Entretanto, estamos assistindo a outro lado desta beleza tecnológica. Estamos acompanhando uma série de desconforto por parte de algumas famílias que estão sendo expostas, julgadas e até promovendo desavenças entre uma família e outra. E isso tem ocorrido porque algumas pessoas se comportam de forma deselegante e até ofensivas quando tratam de algum tema que faz parte do universo infantil e escolar.
O universo estudantil é recheado de acontecimentos que promovem o crescimento educacional e social. Dentro desta convivência é natural que os alunos tenham empatia por uns e dificuldade com outros colegas. É também esperado que cada um possua um ritmo de aprendizagem. Sabemos e devemos respeitar as diferenças religiosas, políticas e as regras escolhidas por cada família (seus valores e princípios). Porém, não é o que temos percebido pelas conversas em grupos criados no aplicativo: episódios corriqueiros têm sido completamente distorcidos, sem nenhuma análise, cheios de julgamentos e apontamentos aos educandos e educadores de forma superficial, irresponsável e sem nenhuma busca pela verdade do que foi divulgado. Consequentemente, por vezes a escola é levada a se desviar do seu maior foco, que é o PEDAGÓGICO, para cuidar dos comentários que tanto geraram desconforto e prejuízos aos envolvidos.
Saudades dos velhos tempos onde a escola era respeitada pela sua história e competência e estava sempre acima de qualquer disputa com o que não fosse construtivo. O desrespeito e a desconfiança em relação à instituição escolar escolhida pela família só emperram o processo e prejudicam os alunos, os filhos.
Comentários surgem a cada dia com tamanha indiscrição e crueldade que chegam a nos assustar: “Vocês viram o novato? Parece que não toma banho.”; “Vocês ficaram sabendo do ‘fulano’ que bateu no ‘beltrano’?”; “Aquela peste não tem educação.”; “Fui até a escola hoje e acabei com a coordenadora por causa daquela tarefa que não concordamos kkk”. Por que ações assim? Escola e família não jogam no mesmo time? Não deveriam estar juntas na educação da criança? E como ficam as mães das crianças julgadas no grupo? E quando o seu filho ou você for o alvo?
Uma criança que apresenta um dia mais nervoso não significa que surtou na escola; uma criança que perdeu a paciência com o colega e a empurrou não é um marginal; um objeto que se perdeu não significa que foi furtado por alguém menos querido da sala ou por um funcionário de um cargo mais simples; uma professora que foi enérgica não significa que perdeu o controle ou foi grosseira; uma atitude isolada não se caracteriza bullying. Por que valorizamos situações fragmentadas e já as espalhamos sem ir à fonte e averiguar o todo?
Sabemos que as crianças levam situações ocorridas pelo ângulo de sua visão e de seu entendimento, mas uma atitude madura dos adultos é buscar esclarecimento. Dar a chance de a instituição investigar e trabalhar o ocorrido. Nem tudo que é dito pela criança é exatamente como aconteceu. Não significa que ela esteja mentindo, mas ela pode ter percebido apenas parte do acontecimento. Bom senso e ponderação são palavras chaves para parceria família e escola. Volto a reforçar: a escola tem profissionais preparados para dar o suporte necessário a cada situação que acontece. As crianças precisam vivenciar todos estes conflitos para amadurecerem e serem adultos saudáveis e autônomos.
Em nossas reuniões de planejamento curricular, tivemos que incluir um momento para trabalharmos as situações que as famílias apresentam nesta rede social. Muitas vezes nos admiramos diante de manifestações preconceituosas, intolerantes e de pouquíssima disposição para a troca de experiências em família valorizando as diferenças. Trabalhamos projetos nas escolas para amadurecer os nossos educandos, explorando valores e princípios, e nos deparamos com uma correnteza contrária aos ensinamentos de formação humana nos exemplos ocorridos nos grupos de WhatsApp. Acreditamos em uma educação em sua totalidade. Embora escolarizar seja o nosso papel, não deixamos de assumir o papel de formação humana que deveria ser da família. Estendemos a mão às famílias também neste processo. Não fragmentar o nosso aluno tem sido o nosso maior desafio.
Outro ponto que questionamos é o movimento dos pais em buscar tarefas e respostas das tarefas nos grupos de pais. Uma atitude que tem gerado o descompromisso do educando em sala de aula: “Ah para que anotar? Depois a minha mãe pega tudo no zap zap”. Antes encontrávamos famílias que faziam cópias pelos filhos (letra diferente, indício de ajuda), hoje a modernidade passou a cópia para o aplicativo. Será que agindo assim não percebem o prejuízo futuro? Como serão esses jovens amanhã? Assumirão as suas responsabilidades ou aguardarão a família resolver tudo por eles? Até resumos e exercícios para prova já encontramos propagados em grupos de WhatsApp. É como se dissessem: “Engole aí meu filho, porque a mamãe já mastigou para você”. E a sala de aula? E o professor? Passam a ser meros coadjuvantes. “Se em casa terei tudo isso, por que prestar atenção?”. A indisciplina surge e a família não compreende o motivo.
Trago aqui um alerta. Não vamos utilizar uma ferramenta de aproximação e vínculos em um recurso que nos transforme em juízes de conduta, em inimigos da escola ou em pais que promovem a dependência e o comodismo dos filhos.
Não deixem as crianças ficarem inseguras com a escola pelos comentários e insatisfações discutidas diante delas, seja pela tecnologia ou presencialmente. A criança aprende com quem a família autoriza; pais insatisfeitos com a escola enviam mensagens de desautorização, comprometendo o aprendizado do filho.
A recomendação é que se mantenha o diálogo presencial com a escola. Se você elegeu a instituição para cuidar da parte acadêmica de seu filho, certamente foi após análise cuidadosa. Desta forma, não se deixe influenciar por conteúdos descuidados que circulam diariamente nas comunidades de WhatsApp, não se permita envolver com ações que vão contra os seus princípios. Se você não comunga da ideia ou atitude, se resguarde e procure a escola. Com certeza ela poderá te acolher, esclarecer e dar as devidas orientações.