Tem sido muito frequente a fala de crianças e adolescentes sobre a descrença com a vida. Alguns verbalizam com muita tranquilidade, mas a maioria fica introspectiva, e muda, sutilmente, o comportamento. Mas o que fazer quando seu filho manifesta o desejo de se matar?
Aline (nome fictício) mostrava-se quieta e fechada em seu quarto. Sempre com livros por perto. Parecia, aos olhos dos pais, que estava crescendo, e, nesse amadurecimento, mais focada nos estudos. Desta forma, os pais “respeitavam” este momento e a deixavam quieta. Não queriam interromper o que acreditavam ser apenas dedicação aos estudos. Enquanto os pais comemoravam a dedicação aos estudos, apenas deixando-a quieta em seu quarto, Aline utilizava os livros espalhados para ter “sossego” e nutrir o sentimento de descrença com a vida. Um comportamento alimentando outro.
Este quadro ilustra muito bem a ausência de diálogo na família. As deduções e a acomodação impediam a busca da verdade. Pais querendo acreditar que tudo estava muito bem e filha desejosa pela “privacidade” que permitia estar consigo mesma, mas, na verdade, sedenta de ajuda.
E o que nos leva a este cenário? Bom, cada família com a sua particularidade, porém posso dizer, mediante ao que me deparo na rotina escolar e de consultório, que estamos envoltos em um mundo tão sedutor em sua rotina escolar e profissional que estamos deixando de nos dedicar às necessidades emocionais. Aline estava questionando se valia a pena estar em um mundo onde as relações eram tão frias e caras.
Frias e caras? O que significam tais palavras para Aline? Conversando com ela por mais de três encontros, pude perceber que a jovem garota de 11 anos estava assustada com a violência do mundo noticiada na TV e em sua linha de tempo das redes sociais, além de se ver como um peso para família neste momento de crise financeira.
Aline preocupava-se com o excesso de trabalho da mãe. Do pai, ela não tem notícia. Cabem à figura materna a dedicação, a educação, o financeiro. Aline se vê como um peso para esta mantenedora. Percebia a exaustão da mãe após um dia longo de dupla jornada. Sentia-se culpada. Começou a nutrir um sentimento que, se deixasse de existir, a mãe teria mais liberdade para passeios e menos peso financeiro. Este pensamento começou a dominá-la de tal forma que já passou a pensar como colocaria fim em sua vida.
Ao trabalhar esta questão da pequena Aline, pude perceber que ela acreditava que se matar era um ato de amor à mãe. E que, diante de tanta violência retratada pelos noticiários, seria, também, um alívio para ela ir precocemente e não se arriscar neste “mundo mau”.
Começamos a falar abertamente sobre isso. Deixei-a contar sobre seus sentimentos e sobre seus planos de executar a sua morte. Percebia que a frieza de sua fala inicial foi indo embora à medida que se sentia ouvida e percebia que eu estava ali interessada em conhecê-la sem julgá-la.
Tivemos três encontros para iniciarmos o entendimento do que se passava. Fui percebendo uma menina amorosa, doce, no entanto, machucada com algumas situações que tão pequena teve que encarar: separação dos pais; abandono do pai; mudança de cidade; perda de amigos; nova turma na escola; luta da mãe para manter as despesas em dia; solidão.
Sem perspectiva, tive que esvaziar as dores para que coubessem os sonhos. Uma limpeza do passado e um ajuste no presente para que percebesse que tem um futuro possível. Falamos sobre sonho. Ela não sabia sonhar. O pé no presente arraigado a impedia de ver futuro. Então, começamos a faxinar e retirar os pensamentos derrotistas e o desejo de pôr fim a uma vida que tem tudo para ser brilhante.
Chegou a hora de conhecer essa mãe guerreira. Precisava fazer o processo de escuta e esvaziamento dessa mãe para que ela ficasse pronta para lidar com o que eu tinha para falar. A mãe também precisava de ajuda. Também sofria suas dores e decepções, porém guerrilhava com a vida. De repente, a mãe diz: “Minha filha falou em suicídio e eu me apavorei”. Ela sabia dos planos da filha e estava paralisada.
Após uma acolhida para entender que era possível fazer mudanças e trazer essa filha para o mundo real, mas possível, a mãe foi se enchendo de força para se reencontrar com a sua história. Conversamos longamente sobre o mundo infantil e o mundo do adulto. Essa criança de 11 anos não precisa saber de tantas coisas da vida adulta. Essa contaminação estava fazendo com que ela enxergasse a vida como desinteressante e complicada.
Reunimo-nos as três. Começamos a projetar um presente e um futuro para essa família. Falamos sobre férias, estudos, ano novo e vida nova. Colocamos metas. Traçamos planos individuais e coletivos. O sorriso e os abraços entre mãe e filha surgiam a cada possibilidade de mudança. Inserimos ferramentas de defesa diante das tragédias anunciadas pelos noticiários. Incluímos um trabalho voluntário para que pudessem fazer sentindo na vida de outras pessoas também.
A reunião acabou e deparo-me com mãe e filha saindo abraçadas. Fiquei contemplando a saída delas. De repente, Aline deixa a sua mãe e volta correndo. Abraça-me com tanta força que parecia querer entrar dentro de mim. Abaixei-me até a altura de seu rosto e, antes que eu pronunciasse algo, ela falou: “Obrigada. Eu entendi tudo. Nunca mais pensarei como pensava. Eu aprendi que posso transformar a minha vida e a da minha mãe. Obrigada por me tirar aquelas coisas que pensava. Eu vou ser diferente porque agora entendi que as belezas existem, eu insistia em não ver”.
Crianças e adolescentes precisam ter sonhos. Sonhos a pequeno, médio e longo prazo. Viver envolvidos om a vida de adultos pode tirar a perspectiva de sonhos se o que se mostra são apenas as lutas árduas. Adultos pessimistas geram crianças descrentes com a vida.
O que você tem mostrado aos seus pequenos? Que mundo lhes apresenta? Pensem nisso.