A visão de uma criança sobre o outro lado da INCLUSÃO ESCOLAR

Ontem eu recebi no consultório uma criança muito indignada com um fato que ocorreu na escola dela. Com um rico vocabulário e uma organização de ideias coerente, ela relatou um episódio ocorrido entre um aluno e um professor. A sessão tinha outro foco, mas deixei as estratégias preparadas de lado e fui fazer a escuta daquilo que tanto a incomodava.

Ela começou a narrar com uma fala corporal e oral tão forte de indignação que me prendeu a atenção completamente. “Tia, você acha que uma criança agressiva, só porque a escola fala que ela é diferente, pode fazer tudo? Acredita que meu colega bateu no professor? ”

Naquele instante, vi uma criança ter uma real noção do que é limite. Ela prosseguiu sua narrativa recheada de detalhes do fato, intermediando com avaliações de julgamentos. Criticava a forma como a escola agia: dois pesos e duas medidas.

Seu vocabulário foi tão preciso que sua fala iniciou-se assim: “Presenciei uma coisa muito triste hoje. Um colega bateu em meu professor e quando um outro colega tentou ajudar, a coisa só piorou. E sabe o que é pior, tia? Os professores e a coordenação nem ‘deu’ suspensão. Aqui ela mostra sua inteira indignação pela ausência de justiça. A ausência de punição trouxe indignação e decepção com os dirigentes da escola.

De repente, ela me surpreende com esta fala: “Não sou obrigada a tolerar esse tipo de situação e se as professoras não fazem nada, nós é que temos que fazer? Pensamos em um abaixo-assinado, mas para que, diante de uma escola que valoriza o mau aluno em vez de proteger os bons e os professores?”

Neste momento, ela respirou fundo e ainda completou: “Se fosse qualquer colega, iria ser punido de alguma maneira mais grave. Só porque ele tem problemas na vida dele, não significa que ele tenha que ser tratado como diferente, pois na vida todos nós temos problemas e temos que aprender a viver com eles. E, tia, os outros não têm nada a ver com os problemas dele, não é culpa de ninguém. Então, por que ele tem que descontar todo o seu ódio e sua raiva em nós e agora no professor?”

Esta narrativa recheada de inquietação permitiu-me uma profunda reflexão sobre direitos e deveres, paciência e compreensão, aceitação e acolhida e, principalmente, a busca por uma justiça para ambos os lados.

Por tudo que ela trouxe, pude perceber que se tratava de uma criança com um histórico de agressividade. Ela indignava-se por perceber que a escola expôs a situação do educando e apenas justifica suas atitudes e não o ajuda a crescer em suas dificuldades.

Conversamos longamente sobre o fato e percebi que tudo o que ela queria é que a escola e a família colocassem limite neste colega que está precisando crescer. E que incluir não é permitir fazer tudo o que ele quer; incluir é acolher em suas dificuldades, mas oferecer caminhos que o façam pensar e evoluir.

Agora eu pergunto: esta garotinha, em sua simplicidade, não nos trouxe um recado importante?

O que é inclusão? Incluir é deixar fazer tudo e pedir aos outros que relevem? Incluir é expor que a criança “tem problema” e por isso não pode ter consequência? Incluir é gerar indignação no grupo de colegas e com este sentimento, eles acabam se unindo e excluindo?

Muito se fala em inclusão e pouco se sabe sobre INCLUSÃO! Neste breve relato, quero apenas chamar a atenção das escolas e famílias para:

  • a necessidade de estudar e conhecer o processo individual de cada criança para que, VERDADEIRAMENTE, possam contribuir com a sua evolução cognitiva e emocional;

  • pensar nas ações e como elas têm sido interpretadas pela criança em destaque e pelo grupo que acompanha. Não podemos ter atitudes de reforço negativo (ganho secundários ou ausência de consequências);

  • que valor estamos ensinando aos nossos pequenos através de cada atitude e cada palavra. De repente poderão chegar à conclusão de que ser “diferente” e “inclusivo” é poder tudo e que o aluno que segue as regras é injustiçado. Pensando desta maneira, ao invés de acolher o colega, irão repeli-lo.

  • uma criança “com problemas”, termo utilizado por ela, é uma criança que precisa da família e da escola. Fazer vistas grossas e tentar justificar atitudes erradas com a frase “ela é aluna de inclusão”, é um erro imperdoável à instituição.

Que possamos aprender mais com as nossas crianças que conseguem ver um lado que muitos adultos insistem em ignorar.

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